Jesus o Bom Pastor

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09 setembro 2010






Definições/comentários sobre a Geografia

O que é a Geografia? Essa é uma questão que atravessa séculos, com diferentes pontos de vista. Um especialista chegou até a dizer -- com um visível exagero -- que existem tantas geografias quantos geógrafos. É lógico que o importante são os trabalhos de pesquisa, as novas idéias (sobre o espaço mundial, sobre uma região, um lugar, um processo na sua dimensão espacial...), e não a definição do que é esse saber ou essa modalidade do conhecimento. Ater-se rigidamente a uma definição ou delimitação (pois toda definição delimita, cerca, estabelece limites) na maioria das vezes até mesmo atrapalha o avanço do conhecimento. Mas implícita ou explícitamente essa questão do que é a Geografia emerge dos trabalhos geográficos e podemos mesmo dizer que ela se atualiza constantemente. Todo novo estudo, desde que seja inovador, toda nova abordagem contribui para essa permanente redefinição do(s) objeto(s) de estudos. É por isso que afirmou-se que a Geografia -- mas o mesmo poderia ser dito da Física, da História, da Antropologia etc. -- é ao mesmo tempo uma tradição, um corpo de conhecimentos e métodos, e também um vir-a-ser, um processo que encerra uma certa indeterminação e que se redefine com as novas pesquisas. A Geografia pode ser algo num determinado contexto -- numa época, num lugar, numa corrente de pensamento -- e outra coisa (relativamente) diferente num outro contexto.

Não objetivamos aqui definir Geografia. Apenas reproduzimos algumas definições -- ou alguns comentários sobre o que é a Geografia ou qual é a sua importância -- que foram dadas no decorrer dos tempos. Vamos dividir essas falas em quatro grupos. A primeira refere-se aos geógrafos (se é que eles podem ser assim denominados) clássicos, anteriores à sistematização da geografia moderna no século XIX. Na verdade eles eram viajantes, mapeadores ou conhecedores de lugares, estrategistas e principalmente estudiosos (ou seja, eram ao mesmo tempo filósofos, físicos, astrônomos, historiadores, geógrafos...) O segundo grupo é formado por geógrafos modernos ou "científicos" (como eles se autodenominavam), que promoveram ou expandiram a institucionalização acadêmica da disciplina nos séculos XIX e XX (até os anos 1970). O terceiro grupo é formado pelos críticos ou radicais, e também pelos fenomenológicos, os geógrafos que procuraram revolucionar ou reconstruír o saber geográfico a partir da década de 1970. E o quarto grupo é formado por não geógrafos, por escritores, políticos ou cientistas em geral (físicos, historiadores...) que proferiram comentários a respeito da natureza da Geografia. Neste último grupo predominam as falas que enfatizam a importância da geografia (ou do seu ensino), mas também incluimos uma -- do escritor argentino Borges -- que faz uso de uma metáfora brincalhona, que na realidade usa uma visão estereotipada da geografia como um saber enciclopédico e descritivo (algo que foi mais ou menos verdadeiro até o século XIX), e isso com o objetivo de trazer um pouco de humor neste campo em geral árido e circunspeto.



1. Pontos de vista clássicos:

"A Geografia é uma ciência como qualquer outra e interessa sobremaneira ao filósofo. Ela se ocupa do estudo ou descrição da Terra. A maior parte da Geografia satisfaz a necessidade dos Estados(...) A Geografia em seu conjunto tem um vículo com as atividades dos dirigentes. Os grandes generais são, sem exceção, homens capazes do governar por terra e por mar, de unir povos sob um governo ou uma administração pública(...) Até mesmo um caçador terá mais êxito se conhecer a natureza e a extensão do bosque e, além do mais, só aquele que conhece uma região pode escolher o melhor lugar para acampar, para fazer uma emboscada ou para dirigir uma campanha militar." (ESTRABÃO, século I a.C.).

"O propósito da Geografia é oferecer uma 'visão de conjunto' da Terra localizando e mapeando os lugares ou regiões" (PTOLOMEU, 150 d.C.).

"A Geografia é uma descrição geral do mundo. Ela se divide em duas partes: uma geral e outra especial. A primeira estuda a Terra em seu conjunto, explicando as suas diversas partes e características. A segunda, ou seja, a geografia especial [regional], respeitando os conceitos gerais, estuda as regiões concretas: suas localizações, divisões, limites e outros aspectos dignos de serem conhecidos." (Bernard VARENIUS, século XVII).

"A Geografia é uma disciplina sinóptica que procura sintetizar os achados de outras ciências por meio do conceito de 'Raum' [área ou espaço]. Ela pode ser dividida em geografia física e mais cinco modalidades. A geografia matemática, que estuda a forma, tamanho e movimentos da Terra, assim como as suas relações com o sistema solar. A geografia moral, que explica os diversos costumes e características dos povos de diferentes regiões. A geografia política, que relaciona a organização política de um Estado com a sua geografia física [seu território]. A geografia comercial, que se ocupa dos intercâmbios mercantis. E a geografia teológica, que estuda as transformações dos princípios teológicos em virtude do terreno(...) A História e a Geografia podem ser vistas como uma descrição, com a diferença que a primeira ocupa-se do tempo e a segunda do espaço. A História estuda a relação dos acontecimentos no tempo e a Geografia estuda a relação dos fatos que se dão uns junto com os outros no espaço" (Emmanuel KANT, século XVIII).



2. Pontos de vista modernos:

"A Geografia é uma ciência síntetizadora que conecta o geral com o especial através do levantamento, do mapeamento e da ênfase no regional. Ela se ocupa da influência que o meio físico exerce sobre o Homem e procura interligar o estudo da natureza física com o estudo da natureza moral para se chegar a uma visão harmonizante [entre a humanidade e o meio físico]" (Alexander Von HUMBOLDT, meados do século XIX).

"O objetivo da Geografia não é o de simplesmente reunir e elaborar uma massa de informações [sobre a Terra ou as regiões], como faziam os meus predecessores, e sim assinalar as 'leis gerais' que explicam a diversidade natural, mostrar a sua conexão com qualquer fato singular e indicar numa perspectiva histórica a perfeita unidade e harmonia que existe, por trás da aparente diversidade e capricho que prevalece no planeta, entre a natureza e o Homem." (Karl RITTER, meados do século XIX).

"O que é a Geografia? A resposta pode ser dada através da seguinte pergunta: Pode a Geografia converter-se numa ciência ao invés de um simples amontoado de informações? Essa é uma questão que diz respeito ao objeto e aos métodos da nossa disciplina. Mas existe ainda uma outra interrogação preliminar: A Geografia é una ou múltipla? Ou, em outras palavras, a geografia física e a política constituem duas etapas de uma mesma investigação ou são temas diferentes que devem ser estudados por métodos distintos, sendo uma um apêndice da geologia e a outra um apêndice da história? (...) Proponho uma definição de Geografia como a ciência que se ocupa da interação entre o homem em sociedade e o seu meio ambiente. As comunidades humanas devem ser consideradas como unidades em luta pela existência, mais ou menos favorecida pelo seu meio. As duas partes da Geografia se complementam. A geografia física analisa os fatores do meio ambiente com as suas variações e a geografia política demonstra as relações que existem entre a sociedade e as variações locais do seu meio. A Geografia tem uma dimensão teórica [o ensino, a pesquisa pura] e uma outra prática e inseparável [a sua utilidade para o Estado e para as atividades mercantis]." (Halford J. MACKINDER, 1887).

"A Geografia deve ser, em primeiro lugar, um estudo das leis que modificam a superfície terrestre: as leis que determinam o crescimento e desaparição dos continentes, suas configurações passadas e presente(...) A Geografia deve, em segundo lugar, estudar as consequências da distribuição dos continentes e mares, das elevações e depressões, dos efeitos da penetração do mar e das grandes massas de água no clima. Ela deve ainda explicar a distribuição geográfica dos seres vivos, animais e vegetais. E a quarta função da Geografia refere-se aos grupos humanos sobre a superfície da Terra. Suas distribuições, seus traços distintos, a distribuição geográfica das etnias, dos credos, dos costumes, das formas de propriedade e as relações disso tudo com o meio ambiente(...) O ensino da Geografia deve perseguir um triplo objetivo. Deve despertar nos alunos a afeição pela natureza. Deve ensinar-lhes que todos os seres humanos são irmãos qualquer que seja a sua nacionalidade ou a sua 'raça'. E deve inculcar o respeito pelas culturas ditas 'inferiores'." (Prior KROPOTKIN, 1885).

"A Geografia enquanto um 'conhecimento da Terra' seria uma ciência da Terra [geociência]. Alguns autores, como Gerland, desejam excluir o Homem da Geografia. Outros desejam conhecer as influências exercidas pela natureza sobre o Homem. [Contudo] A definição da Geografia como ciência da Terra não é consequente. A Geografia pode ser definida como o conhecimento do espaço terrestre, sendo ao mesmo tempo uma ciência concreta e corológica. Essa distinção entre ciências abstratas e concretas foi estabelecida por A. Comte. E foi Kant quem estabeleceu a distinção entre ciências sistemáticas [como a Física], cronológicas [como a História] e corológicas ou espaciais [como a Geografia]. Ela procura compreender a diferenciação local dos elementos naturais e humanos(...) O geógrafo que não se preocupa com o conhecimento das regiões corre o perigo de ficar completamente desprovido de fundamento geográfico. O conhecimento das regiões, mesmo sem a geografia geral, continua sendo um conhecimento geográfico. Em contrapartida, a geografia geral sem o conhecimento das regiões de maneira nenhuma pode cumprir o papel da Geografia e com frequência situa-se fora do âmbito desta disciplina." (Alfred HETTNER, 1905).

"Um indivíduo geográfico não resulta somente das condições geológicas e climáticas. Não é completamente livre das mãos da natureza, mas é um homem que revela a sua individualidade moldando um território para o seu próprio uso. A Geografia tem como missão investigar como as leis físicas ou biológicas que regem o globo se combinam e se modificam ao aplicarem-se às diversas partes da superfície terrestre. A geografia tem como missão especial estudar as expressões cambiantes que existem nos diversos lugares(...) O geógrafo deve buscar o encadeamento e a unidade dos elementos que agem sobre a superfície terrestre. A Terra é o domínio do Homem. Mas é preciso que a humanidade conheça o seu domínio para dele desfrutar e para fazer-se valer. A Geografia tem com função ensinar isso." (Paul VIDAL DE LA BLACHE, 1913).

"A Geografia, tal como a História, é essencial para a compreensão total da realidade. Elas se assemelham na medida em qua ambas são ciências integradoras e interessadas no estudo do mundo. Existe, portanto, uma relação universal e mútua entre elas, inclusive se suas bases de integração são num certo sentido opostas -- a Geografia em função dos espaços terrestres e a História em função dos períodos de tempo -- , a interpretação das configurações geográficas atuais requer um certo conhecimento do desenvolvimento histórico. Da mesma maneira, a interpretação dos acontecimentos históricos requer um certo conhecimento do seu contexto geográfico(...) A Geografia estuda as diferenciações entre as áreas da superfície terrestre e por conseguinte seleciona os fenômenos a serem considerados em função do seu significado geográfico. Ao estudar a inter-relação entre esses fenômenos [físicos e humanos], a Geografia depende em primeiro lugar da comparação de mapas que representam a expressão regional dos fenômenos individuais, ou dos fenômenos inter-relacionados." (Richard HARTSHORNE, 1939).

"A Geografia encontrou um objeto próprio através do estudo das paisagens. É um objeto que relaciona as ciências naturais, as humanas, econômicas e sociais. Na literatura geográfica alemã foi S.Passarge o primeiro que usou a denominação 'geografia da paisagem' e, desde 1913, propôs em várias obras o conceito de 'ciência da paisagem'. A palavra alemã 'Landschaft' (paisagem) existe há mais de mil anos e teve uma interessante evolução linguística. É um conceito presente na ciência e na arte. Na ciência, somente a geografia deu um uso a esse conceito e o transformou num objeto de estudos. A partir daí o movimento de proteção da natureza e o paisagismo cunharam os conceitos de proteção, conservação e criação da paisagem. Podemos distinguir o aspecto fisionômico ou formal da paisagem do seu aspecto fisiológico ou funcional. O primeiro diz respeito ao espaço como uma totalidade e o segundo refere-se à interação entre todos os geofatores: os naturais, os econômicos e os culturais." (Karl TROLL, 1950).

"É útil dividir uma ciência em três elementos: a lógica, os fatos de observação e a teoria. A lógica inclui a Matemática e tem a ver com a relação entre os símbolos. Os fatos de observação [isto é, o(s) objeto(s) de estudos] devem ser designados operacionalmente, já que somente através de uma descrição exata de como foi feita uma observação é que se pode idenfificar um fato particular. A teoria se forma por união do sistema lógico com os fatos definidos operacionalmente. A teoria é o coração da ciência, porque uma teoria científica é a chave para abrir a realidade(...) Existem dois problemas que dificultam tratar a Geografia como ciência. O primeiro refere-se à função da descrição na Geografia e o segundo à possibilidade de predição dos fenômenos geográficos. Existem autores que sustentam que a descrição não é científica. Essa posição é insustentável. Existe uma infinidade de fatos e qualquer descrição é sempre seletiva. Os geógrafos estão sempre buscando algo que considerem significante. A significação só pode ser julgada por outro fenômeno. Isso implica numa relação e esta numa teoria(...) Na Geografia, como em qualquer outra ciência, existe uma interação contínua entre lógica, teoria e fatos (descrição). Nenhuma pode ser separada das demais. Devido a isso é absurdo pretender que uma das três, no caso a descrição, seria 'mais geográfica' que as outras. O problema da Geografia consiste em encontrar uma maneira mais econômica de ordenar nossa percepção dos fatos. A predibilidade dos fenômenos geográficos depende da resposta a esta pergunta: São os fenômenos geográficos únicos ou gerais? Se eles são únicos [irrepetíveis, originais] não são preditíveis e não se pode construir teorias. Se eles são gerais são preditíveis e podem originar teorias. Muitos geógrafos confundem casos 'unicos' com 'individuais'. Eles imaginarm que os fenômenos geográficos são únicos e portanto não teorizáveis de forma lógica. Mas eles são individuais, e o caso individual implica não em unicidade e sim numa generalidade. Por exemplo, aceita-se que existe uma teoria que explica a formação de ilhas. Mas só existe uma ilha de Manhatan. Nesse sentido a ilha de Manhatan corresponde à teoria das ilhas embora seja diferente de todas as outras ilhas devido a uma combinação quantitativa particular de fatos." (William BUNGE, 1962).

"A Geografia é uma ciência humana. O espaço terrestre é objeto de estudo geográfico na medida em que é, sob uma forma qualquer, um meio de vida ou uma fonte de vida, ou uma indispensável passagem para aceder a um meio de vida ou a uma fonte de vida(...) A Geografia aparece assim como uma ciência do espaço em função do que ele oferece ou fornece aos homens. Como ciência do espaço, ela é chamada a fazer balanços do que representa globalmente esse espaço para os homens que aí vivem. A Geografia compartilha com as ciências da Terra a característica de ciência do espaço, mas não tem os mesmos objetivos que elas. Para situar as coletividades humanas em seu quadro, empresta às ciências da Terra seus resultados, se necessário seus métodos. Mas é mais sintética que elas. O geógrafo deve ter uma competência que lhe torne inteligíveis, simultaneamente, processos geológicos, climatológicos, hidrológicos, biológicos. Esta é a condição de uma representação total do meio percebido globalmente pelas coletividades que o ocupam(...) A Geografia é o resultado e o prolongamento da História. O objetivo dos métodos geógraficos é o conhecimento de 'situações'. Uma situação é a resultante num dado momento -- que é por definição, em Geografia, o momento presente -- de um conjunto de ações que se contrariam, se moderam ou se reforçam e sofrem os efeitos de acelerações, de freios ou de inibições por parte dos elementos duráveis do meio e das seqüelas das situações anteriores. O estudo de uma situação pode proceder de uma concepção contemplativa ou de uma concepção ativa(...) Assim definida, a Geografia se apresenta como uma imagem 'instantânea' do mundo. O geógrafo é por definição o agente de coordenação, o intermediário natural entre o exército de técnicos especializados e a política que toma as decisões." (Pierre GEORGE, 1964).



3. Pontos de vista radicais, críticos e/ou humanistas:

"Através desta revista desejamos desenvolver paradigmas alternativos para estudar o presente, investigar formas de mudança radical com vistas a sociedades futuras mais justas. A revista 'Antipode' foi gerada pela aparente falta de preocupação da nossa disciplina [a Geografia] com as questões sociais. Uma década de mudanças nos 'métodos' da investigação geográfica [a revolução quantitativa] não foi suficiente para suscitar uma alteração na 'direção' das preocupações geográficas(...) Nosso objetivo é uma mudança radical -- a substituição das instituições e o ajuste institucional de nossa sociedade com vista a novos objetivos(...) A 'nova esquerda geográfica' difere do velho liberalismo nos seus níveis de compromisso e na sua crença em um processo de mudança radical. Isso significa principalmente três coisas: pleitear uma sociedade mais equitativa na qual se erradique a pobreza, o sofrimento e o decadente sentimento de inutilidade e inevitabilidade; trabalhar para a consecução de uma mudança radical empregando todas as técnicas à nossa disposição com o propósito de romper e reconstruir a estrutura de opiniões convencionais; e organizar-se para uma ação efetiva dentro da Geografia acadêmica, que em geral é profundamente conservadora." (Richard PEET e Outros, número 1 da revista Antipode, 1969).

"Como e por que tentaríamos chegar a uma revolução no pensamento geográfico? Khun oferece uma análise interessante desse fenômeno, tal como ocorre nas ciências naturais. Ele sugeriu que a maior parte da atividade científica é o que ele chama de ciência de rotina. Na prática dessa rotina surgem determinadas anomalias -- observações ou paradoxos que não podem ser resolvidos dentro do paradigma dominante. Essas anomalias tornam-se o foco de crescente atenção até que a ciência é mergulhada num período de crise, do qual surge eventualmente uma nova série de conceitos, categorias, relações e métodos, inaugurando-se assim um novo paradigma que é seguido, mais uma vez, pela ciência de rotina(...) A história do pensamento geográfico dos últimos dez anos está exatamente espelhada nessa análise. A proposição central da velha Geografia era o qualitativo e o único. Ela não podia resistir à orientação das ciências sociais em direção a instrumentos de manipulação e controle social. A revolução quantitativa criou um novo paradigma, abrindo o panorama para novas metodologias. Por fim, novas coisas por medir existiam em abundância(...) A revolução quantitativa percorreu o seu curso e está aparentemente consolidada. Em adição, há jovens geógrafos agora, tão ambiciosos quanto eram os quantitativos na década de 1960, um pouco famintos por reconhecimentos e um tanto desencantados com o que fazer. Mais importante: há uma clara disparidade entre a teoria sofisticada e a estrutura metodológica que usamos e nossa habilidade em dizer qualquer coisa realmente significativa sobre os eventos. Há anomalias entre o que tentamos explicar e manipular e o que realmente acontece. Há um problema ecológico, um problema urbano, um problema do comércio internacional, e não obstante parecemos incapazes de dizer qualquer coisa de fundo ou profunda sobre qualquer deles. Quando dizemos algumas coisa parece trivial ou talvez ridícula. Em resumo, nosso paradigma não está resistindo bem. Como podemos realizar tal revolução [epistemológica]? Poderíamos abandonar a base positivista do movimento quantitativo seja por bases fenomenológicas seja por um idealismo filosófico ou por uma base materialista, dialética e histórica. O marxismo e o positivismo têm em comum uma base materialista e um método analítico. A diferença é que o positivismo simplesmente procura entender o mundo enquanto o marxismo procura mudá-lo." (David HARVEY, 1973).

"Todo mundo acredita que a Geografia não passa de uma disciplina escolar e universitária maçante e simplória, cuja função seria fornecer elementos de uma descrição 'desinteressada' do mundo. A despeito das aparências cuidadosamente mantidas, os problemas da Geografia interessam a todos os cidadãos. Pois a Geografia serve, em princípio, para fazer a guerra. Isso não significa que ela sirva apenas para conduzir operações militares. Ela serve também para organizar territórios, para melhor controlar os homens sobre os quais o aparelho de Estado exerce a sua autoridade. A Geografia é, desde o início, um saber estratégico estreitamento ligado a um conjunto de práticas políticas e militares(...) A fraqueza da análise marxista na Geografia não é surpeendente. Existe um silêncio, um 'branco' na obra de Marx no que diz respeito aos aspectos espaciais. Quanto mais Marx organiza o seu raciocínio com referência constante ao tempo e à história, mais ele se mostra indiferente aos problemas do espaço. Esse pouco interesse de Marx em relação aos problemas geográficos tem, ainda hoje, graves conseqüências. Para os marxistas o essencial da argumentação política se define em relação ao tempo, se expressa em termos históricos. Só raramente se faz referência ao espaço e, ainda assim, de uma forma muito alusiva e negligente. É contudo o espaço o domínio estratégico por excelência, o terreno onde se defrontam as forças em presença e onde se travam as lutas." (Yves LACOSTE, 1976).

"A Geografia é o estudo da Terra como morada da humanidade. A superfície terrestre é extremamente variada. Mesmo um conhecimento casual com sua geografia física e a abundância de formas de vida, muito nos dizem. Mas são mais variadas as maneiras como as pessoas percebem e avaliam essa superfície. Duas pessoas não vêm a mesma realidade(...) O termo topofilia associa sentimento com lugar. O estudo da percepção, as atitudes e dos valores do meio ambiente é extraordinariamente complexo. A cultura e o meio ambiente determinam em grande parte quais os sentidos são privilegiados. No mundo moderno tende-se a dar ênfase à visão em detrimento dos outros sentidos; o olfato e o tato, principalmente, por requererem proximidade e ritmo lento para funcionar e por despertarem emoções. Certos meios ambientes naturais têm figurado nos sonhos da humanidade de um mundo ideal: a floresta, a praia, o vale e a ilha. A construção do mundo ideal é uma questão de remover os defeitos do mundo real. A Geografia fornece necessariamente o conteúdo do sentimento topofílico. Os paraísos têm uma certa semelhança familiar porque os excessos da geografia (muito quente ou muito frio, muito úmido ou muito seco) são removidos." (Yi-Fu TUAN, 1974).

"Os geógrafos e os sociólogos descobriram no decurso destes últimos anos a expressão 'produção do espaço'. Ela implica a predominância dos mecanismos econômicos na regulação e na alienação do espaço. Deveria ser substituída por um outro termo, numa perspectiva dinâmica de superação: 'criação de espaço'. Este supõe que ao domínio das limitações materiais se venha juntar o poder de dar vida a uma obra. Com efeito, o espaço é uma obra [uma arte]. Para captarmos toda a sua força é conveniente analisarmos o espaço além do seu aspecto exterior, além da paisagem. É certo que os seus valores estéticos devem ser apreciados, ritmos, massas, cores, composição. Mas todos esses valores têm um significado mais profundo na intimidade e na vibração das percepções, difrenciado de acordo com os que nele vivem e observam(...) O despertar para um arte do espaço só é concebível na familiaridade dos poetas, romancistas, pintores ou cineastas, que têm evocado a região dos homens. É no filme, no romance, a obra de arte que há de se tomar em conta na totalidade de sua criação. É uma nova Geografia que se há de inventar, rompendo as divisórias entre disciplinas, com geógrafos abertos à literatura e à arte e homens de letra a par da Geografia. Descobrir o espaço, pensar o espaço, sonhar o espaço, criar o espaço... Uma pedagogia nova para o espaço vivido deve tomar em conta essas quatro exigências. Mas, nesse concerto, onde se encontra a Geografia e a região, senão na utopia? A Geografia aberta às ciências naturais e à Matemática, aberta às ciências humanas e também à arte." (Armand FRÉMONT, 1976).



4. Os de fora comentam sobre a Geografia:

"A política de um Estado depende da sua geografia". (Frase de Napoleão BONAPARTE, inspirada na leitura de MONTESQUIEU).

"O Homem, enquanto um ser que não é livre e sim parte da natureza, é um ser sensível e isso pode ser dividido em dois aspectos: a natureza subjetiva e a exterior. Este última, a natureza exterior do ser humano, é o seu aspecto geográfico ou a base geográfica de um espírito [um povo, uma sociedade]. Não devemos estudar o solo [espaço, território] como um elemento externo e sim como localidade, que corresponde exatamente ao tipo e caráter de um povo, filho do seu solo." (G.W.F. HEGEL).

"Quando eu era jovem o meu sonho era tornar-se geógrafo. Entretanto, antes de ingressar no curso superior, quando trabalhei num escritório, numa atividade que envolvia consumidores de diversas partes, comecei a pensar mais profundamente sobre essa questão e concluí que essa disciplina deve ser extremamente complexa e difícil. Após alguma relutância, acabei optando pelo estudo da Física." (Albert EINSTEIN).

"Seria necessário fazer uma crítica dessa desqualificação do espaço que vem reinando há várias gerações. Foi com Bergson, ou mesmo antes, que isso começou. O espaço é o que estava morto, fixo, não dialético, imóvel. Em compensação o tempo era rico, fecundo, vivo, dialético. Se alguém falasse em termos de espaço é porque era contra o tempo, é porque 'negava a história' ou, como diziam os tolos, porque era 'tecnocrata'. A descrição espacializante dos fatos discursivos desemboca na análise dos efeitos de poder que lhe estão ligados(...) Cada vez mais me parece que a formação dos discursos e a genealogia do saber devem ser analisadas a partir não dos tipos de consciência, das modalidades de percepção ou das formas de ideologias. Elas devem ser analisadas em função das táticas e estratégias de poder. Táticas e estratégias que se desdobram através das implantações, das distribuições, dos recortes, dos controles de territórios, das organizações de domínios que poderiam constituir uma espécie de geopolítica, onde minhas preocupações encontrariam os métodos dos geógrafos. Há um tema que gostaria de estudar nos próximos anos: o exército como matriz de organização e saber -- a necessidade de estudar a fortaleza, a 'campanha', o 'movimento', a colônia, o território. A Geografia deve estar no centro das coisas de que me ocupo." (Michel FOUCAULT).

"Naquele Império a arte da cartografia logrou tal perfeição que o mapa de uma só província ocupava toda uma cidade, e o mapa do Império toda uma província. Com o tempo esses desmesurados mapas não mais satisfizeram e os colégios de cartógrafos levantaram um mapa do Império que tinha o tamanho do Império e coincidia pontualmente com ele. Menos afeitas ao estudo da cartografia, as gerações seguintes entenderam que esse dilatado mapa era inútil e sem alguma impiedade o entregaram às inclemências do Sol e dos invernos. Nos desertos do Oeste subsistem despedaçadas ruínas do mapa, habitadas por animais e por mendigos; em todo o país não há outra relíquia das disciplinas geográficas." (Jorge Luis BORGES, "Del rigor en la ciencia", 1954).

"Todos nós no Congresso percebemos a importância vital de se aprimorar o nosso sistema educacional se quisermos manter nossa posição competitiva na economia mundial. Como parte desse esforço, nós devemos nos assegurar que os jovens americanos tenham uma clara compreensão sobre como o mundo é e quais são as influências humanas geograficamente positivas". (Senador Edward KENNEDY, numa fala que proferiu durante a Geography Awareness Week, ocorrida em 1987 no Congresso norte-americano, em Washington).

"Nós dependemos de uma bem informada população para manter os ideais democráticos que fizeram a grandeza deste país. Quanto 95% de nossos estudantes universitários não conseguem localizar o Vietnã num mapa-múndi, nós devemos ficar alarmados. Quando 63% dos americanos que participaram de uma pesquisa nacional feita pela CBS e pelo Washington Post não conseguiu dar o nome de duas nações envolvidas nas conversações SALT, nós estamos falhando em educar nossos cidadãos a competir neste mundo cada vez mais interdependente". (Senador William BRADLEY, proponente da Geography Awareness Week, realizada em 1987 no Congresso norte-americano, em Washington, com o objetivo de propor medidas para reforçar e aprimorar o ensino da Geografia nos Estados Unidos).



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